sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Cinzas às cinzas...

Seria muito simples se a notícia tivesse chegado de outro modo, ou noutra altura, sem quebrar o conforto de uma situação banalmente agradável, no entanto, nada acontece quando se quer, e eu há já muito tempo que me apercebi disso.
Ele estava simplesmente entretido a enxugar a loiça da máquina de lavar, numa alegre conversa com a família, quando o telefonema chegou.
Sem grande alvoroço, viu a cara do pai ficar séria, no entanto julgando tratar-se apenas de mais uma chamada de trabalho, como tantas eram recebidas na casa.
Mas esse estado de espírito cedo se desvaneceu face à frase que o seu pai de seguida proferiria: ‘O vosso avô morreu hoje à noite’, para dar lugar a uma série de sentimentos que ainda hoje ele não consegue descrever.
O silêncio, que apenas durou uns segundos, rapidamente foi substituído pelo pranto de dor da sua jovem irmã, cujas lágrimas encharcavam lentamente a mesa da cozinha, ao passo que o seu pai e mãe discutiam o que se ia passar naquela noite, numa seriedade assustadora, enquanto ele, encostado ao lava loiça, observava, imóvel, a surrealidade de toda a situação.
Foi decidido que eles iriam naquela noite estar com o corpo, enquanto ele e a irmã permaneceriam até à manhã seguinte em casa, para depois atenderem ao funeral.
No entanto, nada disto lhe parecia real, enquanto falava, quase que apaticamente, com os pais sobre o que seria o dia seguinte.
Foi só quando deu por si sozinho na cozinha, a olhar o vazio enquanto os pais levavam a irmã para o quarto, e depois se despediam dele, quando percebeu tudo o que se passara naqueles momentos, que perdeu o controle das suas pernas, caiu no chão, encostando-se no processo à maquina de lavar, cujo conteúdo apenas minutos antes estivera a limpar, e que se viu sentado a olhar o vazio, com todas as lágrimas que não chorara até aí, a jorrarem-lhe pelos olhos, enquanto pensava na pessoa que acabara de desaparecer de vez da sua vida…

Sem comentários: