segunda-feira, 26 de março de 2007

H2O

Era como se felicidade tivesse um nome: água...
Cada vez que entrava, sentia que o seu corpo se misturava com a sua essência, com cada molécula que lho percorria como uma carícia.
A adrenalina que sentia em cada prova, em cada segundo antes do fatídico apito, fazia o seu coração bater de modo tal que a impulsão que conseguia obter fazia-o sentir-se como que a voar.
A mudança de temperatura dava-lhe a sensação de entrar num outro mundo, um mundo seu, um mundo onde quem controlava o que acontecia era ele, e tão somente ele.
A piscina era o seu refúgio, e assim que lá entrava esquecia completamente o mundo fora da água, os seus problemas, as suas frustrações, tudo o que nada tinha a ver com aqueles momentos em que praticava não um desporto, não uma forma de entertenimento, mas sim a melhor forma de viver que conhecia.
Nos momentos de desespero, em que o seu corpo lhe dizia que não era capaz de dar nem mais uma braçada, já ele sabia que iria dar mais uma, e outra e outra, até acabar o que tinha começado, e aí, dava mais algumas...
Para ele uma tarefa só acabava quando completa ou com uma caibra nas pernas, a única coisa que o fazia parar.
Ele sabia que era dentro de água que pertencia, o seu mundo, o seu refúgio, a sua verdadeira paixão.
Ironicamente, eu juntei-me a ele no momento em que o elemento que este tanto amava se preparava para lhe tirar a vida, não fosse o baloiço que o manteve vivo o tempo suficiente.
Foi essa tarde que lhe deu o amor pelo mar, pela água, o fascínio de a percorrer, de se lhe misturar, tanto no sal temperado da água do mar, como no cloro da piscina.
Todos os Verões, tentava ele aquele que poderia ter sido o seu tumulo, avançando metro a metro, cada vez mais no horizonte, sabendo que cada braçada dada para o exterior, seria outra braçada que teria de nadar de volta, e ficava a boiar no meio do nada e do tudo que era esse seu refúgio derradeiro.
No entanto, à medida que os anos avançam, estas braçadas têm tendência a se ir reduzindo, tal qual se apaga a paixão ardente dos primeiros tempos, e fica o gosto genuíno...
Um dia ele talvez pare de nadar, talvez ele deixe a água para os peixes, mas não irá ser tão cedo...

Idade ingrata...

Ele tinha doze anos e nunca se tinha deparado com as duvidas que tinha naquele momento.
A verdade é que se tinha habituado de tal modo ao ambiente em que estivera nos ultimos anos, que as mudanças com que era confrontado agora não o agradavam de forma alguma.
Criança que era, ainda não era capaz de distinguir as falsidades e hipocrisias com que se deparava, e não possuia também a maturidade para saber lidar com isso.
Estava confuso e entristecido... entristecido por não saber quem podia chamar de amigo, e quem devia ignorar a todo o custo, em quem podia confiar, e quem devia ver pelas costas.
Nunca quisera estar naquele lugar, não sem os seus amigos, sem aqueles que se haviam tornado os seus melhores amigos, pois aqueles com quem lidava agora não lhe davam a confiança que necessitava para se sentir à vontade com a sua situação.
Mas nunca transmitiu isso, embora não fizesse diferença.
Simplesmente sentia que não pertencia aquele sítio e isso deixava-o melancólico, sisudo e sério, tudo aquilo que nunca fora até então.
Com o passar do tempo, adaptou-se e aprendeu a lidar com o meio onde se encontrava, se bem que muitas vezes sem sucesso, sentindo-se marginalizado ou ridícularizado, sem se apreceber que isso acontecia porque não era capaz de simplesmente estar-se nas tintas.
Era como se a pessoa que antes fora tivesse desaparecido, e, apesar de sentir que não pertencia ali, nunca compreendeu porque teve ele de mudar naquele periodo da sua vida, afinal de contas, a pessoa que ele antes era não devia desaparecer, não naquela situação, mas foi o que aconteceu.
Ele não podia dizer que a situação onde se encontrava fosse má, mas simplesmente não teve a capacidade para lidar com ela, e não se apercebia disso mesmo, o que o impelia a ser alguem que nunca tinha sido até então.
Iria passar muito tempo até que fosse capaz de recuperar a pessoa que fora por doze anos, mas a adolescência tem destas coisas...

domingo, 25 de março de 2007

Baloiço...

A tarde estava quente... indiscritvelmente quente, e a areia da praia estava-o ainda mais... mas ele não se importava... afinal de contas estava de férias e tudo o que lhe convinha naquele momento era ver-se dentro de água a divertir-se.
Ele tinha apenas sete anos, quando me lhe juntei, quando fiquei ligado a ele e comecei a descrever pela primeira vez aquilo que seria a sua existência.
Um simples rapaz cujas únicas obrigações nequele momento eram ficar junto do seu tio, pelo menos segundo a sua mãe. Mas o que respeita uma criança de sete anos numa praia logo após ter visto o seu melhor amigo.
Não tardou, já ele se tinha desembaraçado da vigia do tio e ido ter com o primo, com o qual prontamente começou a conversar, tendo daquelas conversas que só os rapazes de sete anos conseguem ter sem parecerem perfeitos idiotas.
Deram por si, estavam dentro de água, cada um com a sua brincadeira planeada, esbracejando ao sabor da corrente, até que aconteceu...
Ele ainda não sabia nadar e o seu primo pouco mais que ele era capaz, pelo que de nada lhes serviu o que quer que fosse quando deram por si na tão famosa cova que existe no banco de areia da praia.
Nos escassos trinta segundos, que ainda hoje sei terem sido uma agonizante eternidade para ambos, debateram-se, num cruel baloiço, enquanto cada um deles tentava alcançar a superfície, para poder ao menos ir buscar aquele pouco ar que os iria manter a debetarem-se por ainda mais ar.
Ele, na sua infantil presença de espírito, tentava alcançar a boia de uma pequena menina que, a pouco mais de meio metro, nadava sob o amparo de duas senhoras que ao seu lado se encontravam, para poder em seguida puxar para si o seu primo, enquanto este se debatia igualmente por alcançar o banco de areia, com o mesmo fim de os salvar.
No entanto, ao seu esforço contra aquilo que seria, até então, a sua derradeira batalha pela vida, eram comentados pelas senhoras com a cruel, mas nunca mal intencionada expressão: 'Que engraçado! Estão a brincar!!'.
Nunca o desepero dele fora tal, mas afinal de contas, ele apenas tinha sete anos, e nunca se vira obrigado a lutar com aquele que era então o seu melhor amigo, pelo sopro de ar seguinte, pela superfície, que colocava dois amigos, no lugar de inimigos, num diabólico baloiço de inspira, expira, sobe e desce, do qual nunca esperaram sair com vida.
A luz do Sol, quer á superficie, quer por entre o sal e a água, era a única imagem clara que este podia ver, isto é, antes de se deparar ao lado do seu primo, a tossir os poucos restos de água que ainda tinha nos pulmões, deitado em segurança na areia, a tão quente areia, que o aquecia como o seu cobertor o fazia nas noites frias.
Depois de ter pela primeira vez enfrentado a morte, depois de ter sido salvo pelo pai do seu primo, a única coisa que se lembrou de dizer, na sua infantil precepção da realidade, foi: 'Já viste que iamos morrendo... Será que se fossemos para o paraíso haveriam lá televisões para vermos os nossos desenhos animados?'

Início...

Foi num ribombar de matéria, explosões, choques e luz que eu nasci...No nascimento de tal Universo, fui lançado à deriva a percorre-lo... Assisti ao nascimento de estrelas, ao brotar da vida no universo, e fiz parte de todos esses eventos, tendo, sempre, o primeiro lugar na plateia...Vi e vivi tanto no meu tempo, que me decidi a descansar um pouco... a assentar num único mundo, pelo que acabei por vir parar a uma pequena estrela em nascimento, o Sol...Daí vi os vossos planetas nascerem e crescerem, a Terra surgir, a modificar-se, a vida no planeta a formar-se, o nascimento da raça Humana, as vossas civilizações, os vossos feitos, as vossas guerras, e assisti a tudo isto, saltando de corpo em corpo, de uma plateia para outra, até que me vi nos olhos de um rapaz... um simples rapaz, cuja história me vejo agora compelido a contar... tudo o que vi pelos olhos deste, o que este sentiu, o que este pensou... tudo visto pelos olhos de apenas mais um átomo... eu.